OS RUBIS – SOBRE PERDAS E RESILIÊNCIA

OS RUBIS – SOBRE PERDAS E RESILIÊNCIA

Jussara Teixeira Diniz Costa

À noite, deitada sobre grossos cobertores, ouvia meu irmão que lia para mim os contos das Mil e Uma Noites. E eu me transportava para aquele mundo de princesas, joias, pedrarias, colares, pérolas, rubis… Príncipes e tapetes voadores.

Assim, eu dormia feliz e acordava renovada para mais um dia de plebeia. Família de pequenas posses, muitas faltas, muito trabalho e esperança de dias melhores. Quem sabe viria um príncipe montado num cavalo branco e me levaria para além do mar? Quem sabe me daria pedras, riquezas e eu nunca mais precisaria dividir com meu irmão o único bife, comer “chuchu” com ovo, farofa de sobra de carne de panela, maçã – somente quando adoecesse; manteiga feita da nata do leite – que naquela época era vendido in natura, na carrocinha pelo leiteiro e, pão dormido; roupas usadas da minha prima que não mais lhe serviam.

Um dia, no meu aniversário, uma surpresa: meu padrinho me trouxe um presente: um anel folheado a ouro, com lindas pedrinhas vermelhas que eu logo acreditei serem rubis… Três lindos rubis.

Ficou um pouco folgado, mas eu não o tirei do meu dedo anelar. Já me sentia uma princesa!

No dia seguinte, mesmo com o céu carregado de nuvens escuras, fui para a calçada brincar e me exibir para as amigas. Entre uma brincadeira e outra, veio a chuva, forte como essas tempestades que aparecem na vida da gente de repente…

Naquele tempo tudo era motivo de brincadeiras. A chuva veio rápida e logo passou. Com ela se formou uma bela enxurrada, boa de brincar. E lá fui eu, inocente como as crianças de antigamente. Apostas eram feitas de qual barquinho de papel mais longe se mantinha na água; quem pulava o trecho mais largo da calçada para a rua onde se fazia o escoamento da água; a pedra que mais barulho fazia na água, que mais respingo dava e por aí adiante… E nesta brincadeira lá se foi também o meu anel de rubis.

Foi uma perda terrível. Em poucos minutos meus sonhos de princesa vieram abaixo. Não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo! Olhava a água que corria e com a qual eu tanto gostava de brincar e chorava. Minhas lágrimas eram como uma enxurrada. Procurei tanto aquele anel! Todos os dias: primeiro na lama, depois na terra que ficou e finalmente, na poeira fina em  que ela  se transformou na beira da calçada. De nada adiantou a procura. O anel e meus rubis se foram para outro dedo de outra princesa.

Eu aprendera a minha primeira lição de resiliência.

Um duro aprendizado, e que me acompanharia muitas vezes ao longo da minha vida: primeiro vem a tempestade – e com ela as lágrimas; depois a raiva, o choro, o sentimento de impotência. Depois à medida que os dias vão passando,  a certeza de que a água levou o que tinha de ser levado, o que ficou virou outra coisa – a lama e aí a concordância; o que parece feio, a lama, vai se transformando, ainda que traga certo endurecimento no coração.

O tempo vai passando a despeito de nós mesmos – da lama endurecida vem a poeira. Lama em partículas leves que o vento carrega com a ajuda da natureza e da nossa mente tão sábia. Tudo finalmente se vai de forma mais leve no vento. Também na nossa vida. Nosso amigo de todas as horas vai levando a nossa tristeza, a nossa raiva para lá de nós independente da nossa vontade. De forma que tudo se assenta, se acomoda no nosso coração. Varremos o que passamos e nos preparamos para o novo. Tempestades vem, tempestades vão. Coisas vêm, coisas vão.

E aqueles rubis?

Nunca se perderam verdadeiramente… Pode ser que o anel esteja no reino encantado de outra menina. Mas, o brilho dos meus rubis sempre estará na minha memória. Assim como as coisas boas da vida.

Belo Horizonte, 2019

CONHEÇAO TRABALHO DE JUSSARA TEIXEIRA DINIZ COSTA

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