Jaques Lacan, você e o protagonismo.

Jaques Lacan, você e o protagonismo.

Rafael Gonzaga – Coach – 98779 7080

O psiquiatra francês Jaques Lacan nos diz que “o melhor trabalho espiritual, político e social que podemos fazer é parar de projetar nossas sombras nos outros.” Essa reflexão nos remete a pergunta: Quanto de nossas vidas vivemos em terceira pessoa? Ou seja, qual o tamanho do nosso telhado de vidro?

Quando enxergamos os problemas em primeira pessoa eles tem solução, enquanto os localizamos nos outros não há muito o que se fazer. Portanto é preciso definir quanto do que vejo no outro é meu. Quano reclamo que alguém está me incomodando muito por ser  metido, arrogante, provavelmente essa pessoa está mexendo com a minha arrogância. A raiva que tenho de alguém revela muito sobre quem eu sou. É comum enxergarmos nossas questões como problemas dos outros. Assim temos uma boa desculpa para não agir e um consolo por não sermos os únicos a enfrentar certos problemas.

Outro dia um taxista me disse a seguinte frase: “o problema da miséria é o captalismo exacerbado.” E eu trouxe a questão para a primeira pessoa. “ Eu concordaria em parte com essa frase se você disser que uma das causas da miséria é o captalista que existe em cada um de nós” “Como assim?” – disse-me espantado ao que expliquei:  “O captalismo exacerbado não existiria sem a sua colaboração. Será que você não faz parte deste sistema e não se beneficia dele?”  “Estou falando dos bancos, do governo, das empresas?” “Entendo, mas eu estou falando de você.” “Você nem me conhece” “Com certeza você tem uma empregada em casa?” “Tenho.” “Você acredita que há um dever moral em se pagar um salário Justo?” “Claro”

“Ela ganha quanto?” “Um salário” “Coitada ela é bem explorada, né?” “É, mas e você? quanto paga para sua empregada?” “Eu não acho que ela seja explorada, pois pago o combinado. Tanto ela quanto eu trabalhamos no limite de nossa competência. Se tivesse como ganhar mais por conta própria ela não trabalhava para mim. Então me vejo como alguém que a beneficia.” “Eu não penso que estou na posse de parte do salário dela, não acho que estou me aproveitando da competência dela. Se pensasse assim, eu mesmo faria o trabalho dela. Acho um absurdo pregar uma justiça social paga com o dinheiro dos outros.” “Você é muito radical” – disse o taxista já quase desistindo da conversa. “Porque você não aumenta o salário da sua empregada?” “Se aumentar eu não vou ter tudo que quero.” “Então você está me confessando que o problema do captalista que existe em você é a sua ganância.  “Porra! minha ganância não,  a de todo mundo.”

A discussão continuou e eu quase fui expulso do taxi, mas firmei minha posição: “se você pensa que o problema do mundo é o captalismo exacerbado, então não seja tão captalista.” “Mas, como? Não tem jeito” Da próxima vez que emprestar dinheiro para alguém não cobre juros. Quando for pagar algum funcionário não pague só o combinado pense no que é justo. Quando for vender uma casa doe parte do lucro imobiliário. Convide um monte de gente para dividir com você as coisas que você tem. Você não deve se beneficiar de algo que você critica. Isso é hipocrisia. Seja o exemplo e outros vão te seguir, mas não queira que a sociedade aja antes de você para que você possa fazer o que considera justo. Sua justiça não pode funcionar só para o outro e não se aplicar a você.

O taxista não se conformou e veio com um discurso religioso de que o dinheiro veio do diabo para nos tentar. E eu continuei com meus argumentos: “o dinheiro não é algo bom ou ruim. O que é bom ou ruim é o uso que você faz dele. Se sinto-me culpado por ter muito enquanto outros não tem tanto, tenho a opção de doar parte do que possuo. Tenho a opção de investir nas pessoas para que prosperem, etc.” “Como você não se sente culpado” É um erro acreditar que a riqueza de uns produz a pobreza de muitos. A teoria econômica já comprovou que essa crença é falsa. Seria verdade se a riqueza no mundo fosse fixa. Nesse caso se eu tivesse uma parte maior o outro ficaria com uma menor, mas a quantidade de dinheiro no mundo cresce graças a competência de poucos. Não seria justo se os que fazem o bolo crescer não tivessem direito a maior parte. Se assim fosse o bolo não cresceria.” Eu não tive coragem de dizer, mas fiquei com vontade de questionar: quanto da crítica dele aos ricos não foi motivada pela inveja? Quanto dessa crítica não diz respeito a frustração de não ter conquistado na vida o que gostaria de ter.

O Ego da maioria de nós não nos permite enxergar os problemas  em primeira pessoa e os projeta nos outros. Se não estou satisfeito com meu salário o problema é o patrão, os clientes, o mercado de trabalho, a empresa e o mundo que não reconhece o meu talento. Jamais o problema será a minha competência, minha capacidade de relacionamento, de planejamento ou o meu nível de esforço porque meu ego não permite essa crítica.

Num processo de Coaching uma das primeiras coisas que faço é refletir sobre o protagonismo em oposição à vítima.  Uma das condições para que o processo dê certo é o que estou chamando de viver em primeira pessoa, ou seja, viver projetando o mínimo possível nossas sombras nos outros.

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